Dia Mundial da Saúde Mental

Quinta-feira, Outubro 10, 2024 - 11:42

Todos nós conhecemos pessoas que têm dores nas cruzes, pelos menos duas próteses na anca (às vezes mais), uma perna encravada, a tensão a 20 e uma arritmia grave, quase às portas da morte. Mais importante, é que estas informações - de pessoas até então desconhecidas - nos chegaram através de uma conversa no autocarro, no táxi ou na fila para pagar no supermercado.

Todavia, apesar das pessoas sofrerem muito dos nervos, muito poucas partilharão que sofrem de uma doença mental, ipsis verbis. Ao fim de tantos anos, e tantas campanhas, continua a ser muito duro uma pessoa perceber que pode ter uma doença deste tipo. Não é justo considerar as doenças mentais diferentes das doenças dos rins, das ancas ou do coração. E não é justo porque não são um defeito moral ou de caracter,  porque muitas têm tratamento (atenção, porque contrariamente à maioria das ouras doenças, até podem ser curáveis!) e porque a falta de compreensão adiciona sofrimento a uma situação já de si difícil.

O Zé Miguel (claro que o nome é inventado) teve, desde miúdo, ideias recorrentes, com medo de vomitar em público. Nunca vomitou em público, e esta ideia parecia-lhe absurda, mas não conseguia deixar de pensar nisso. Antes de sair à rua verificava a distância às casas de banho, para poder vomitar escondido, caso isso acontecesse. Estudou o tempo que os vómitos demoram, para ver se tinha tempo de lá chegar. Vigiava qualquer sintoma de náusea. Verificava greves, filas e pessoas que poderiam impedir o acesso às casas de banho. Antes de qualquer saída, precisava destas verificações e programações intensas, que podiam durar uma semana. Quando finalmente se sentia bem, quando chegava aquele ponto em que tinha tudo controlado, ficava aliviado, e, por vezes conseguia ir. Como se compreende, achou que era maluco, doido varrido, e que o seu destino era acabar amarrado a uma cama de um qualquer horrível hospício do sec. XVII. Nada disto lhe fazia sentido, e chegou a ter ideias de suicídio.

O Zé Miguel tinha uma doença obsessiva, com alterações de uns circuitos cerebrais, e formas de manutenção relacionadas com a aprendizagem. O tratamento consistiu em corrigir quimicamente essas alterações e em fazer psicoterapia, destinada a aprender o que eram estes sintomas e a corrigir os mecanismos de aprendizagem referidos, que subjacentes à doença.

As doenças mentais resultam de uma interação complexa entre aspectos biológicos (como idade, sexo, genes, hormonas, neurotransmissores, doenças físicas ou lesões estruturais), psicológicos (personalidade, formas de pensar, vivências traumáticas, hábitos ou emoções) e sociais/ambientais (desemprego, dificuldades económicas, riqueza do meio envolvente, aspectos culturais). Com poucas excepções, as causas não são únicas nem unidirecionais. P.ex. uma pessoa deprimida pode começar a ter menor produtividade no emprego, e, por isso, ser despedida. As eventuais dificuldades financeiras daí resultantes podem perpetuar a doença depressiva.Ou não. Por razões individuais (que muito provavelmente incluem factores que a pessoa nas controla completamente, como a biologia ou o temperamento), outra pessoa, na mesma circunstância, pode ter um destino diferente e abrir um bar na praia ou ir para o MIT ou para o Wall Street, e ganhar um Prémio Nobel, muito dinheiro ou ambos.

Os profissionais de saúde mental (psiquiatras e psicólogos) estudam de que forma estes vários factores se articulam para desencadear ou perpetuar uma doença mental, no caso concreto de uma pessoa e da sua circunstância. Desta forma, é possível abordá-los - biologicamente, por psicoterapia, ou o que for melhor - para se salvar uma e outra. Esta conceptualização tem uma base científica, com pouco lugar a achismos ou opiniões pessoais ou morais.

Se precisar pode sempre pedir ajuda.

Frederico Simões do Couto de Oliveira Fernandes

Professor Associado da Faculdade de Medicina e Presidente do Conselho Pedagógico