Joana Sampaio, estudante do terceiro ano de medicina na Universidade Católica Portuguesa, cujo compromisso com a ação social é inegável, tem moldado o panorama universitário e impactado positivamente comunidades tanto a nível nacional como internacional. Com anos de experiência, a Presidente do Departamento de Ação Social personifica a excelência académica aliada a um profundo sentido de responsabilidade social.
Com quase uma década de experiência em diversos projetos, esta estudante tem um papel ativo tanto nacional como internacionalmente, tendo atuado em países como Espanha, Tanzânia, e Índia. Por devoção, dedica os seus verões em países em desenvolvimento, onde, por meses, contribui significativamente em diversos programas de saúde em campos de refugiados, hospitais comunitários, reconstrução de lares de idosos, e aulas em orfanatos com ensino semanal de Suaíli e Inglês.
Neste artigo, exploraremos a sua jornada e alguns conhecimentos adquiridos ao longo do caminho.
O que te motivou e que conselhos tens para quem quer fazer voluntariado?
A minha motivação é alimentada por uma crença profunda no poder da compaixão e da solidariedade. Acredito que cada um de nós tem a capacidade de causar um impacto significativo nas vidas dos outros, independentemente das fronteiras geográficas que nos separam. Ao longo da minha jornada, tenho testemunhado a resiliência e a força das comunidades em situações desafiadoras, e isso inspira-me a continuar a dedicar o meu tempo e esforço a ajudar aqueles que mais necessitam.
Além disso, a satisfação que advém da minha contribuição é indescritível, mesmo que de forma modesta. Cada gesto de compaixão, até na sua maior simplicidade, pode desencadear uma onda de transformação nas comunidades que servimos, seja através do fortalecimento da autoconfiança de crianças ou da assistência adicional em sistemas de saúde precários.
Para aqueles que desejam desenvolver projetos deste género, o meu conselho é simples: não esperem que as condições sejam ideais. Comecem onde estão, com o que têm. Cada gesto, por mais pequeno que pareça, pode impactar vidas de formas inimagináveis.
O voluntariado internacional é uma via de mão dupla, onde o enriquecimento pessoal é tão valioso quanto o impacto que pode ter nas comunidades que servimos. Estejam dispostos a sair da vossa zona de conforto, a escutar e a adaptar-se a novos contextos culturais, e a abraçar a empatia como ferramenta fundamental. Acima de tudo, avancem com coragem e paixão. Deixem a vossa marca. Não subestimem o poder de um ato de bondade, por mais modesto que possa parecer.
Partilha algumas histórias inspiradoras e impactantes do teu trabalho voluntário.
Recordo-me de diversas situações que me marcaram, todas elas por razões diferentes.
Este verão estive dois meses no norte da Índia, onde ajudei em clínicas ambulantes em bairros e hospitais comunitários, mas, pessoalmente, os campos de refugiados foram os mais impactantes. Estes acolhem milhares de pessoas de Mianmar num ambiente onde resíduos descartados se acumulam e as condições de vida se resumem a estruturas de madeira e toldos. As tarefas de cuidados com feridas, prescrição de medicamentos e monitorização de sinais vitais tornaram-se não apenas ações clínicas, mas passos vitais no confronto dos desafios de saúde agravados por tais condições. No meio da adversidade, a determinação e recetividade às nossas iniciativas foram inspiradoras.
Visitei também semanalmente um “Orfanato” para raparigas, de idades entre os 5 e os 28 anos, onde as acompanhei, conheci as suas perspetivas, profissões de sonho, e objetivos a alcançar. Todas as horas passadas lá traziam-me um sentido de compaixão e pena, sabendo que nunca teriam essa oportunidade. Devido à sua cultura, as mulheres são impostas o papel doméstico e familiar, em que a principal fonte de segurança económica e social parte do casamento. Foi com tempo que me apercebi que as famílias as colocavam no Orfanato para evitar despesas, onde esperam anos até uma família as escolherem como “apropriadas” para casar. Se não forem escolhidas, estas ficam restritas a aquele edifício apenas, pois não é permitido que mais ninguém as veja além de funcionárias e professores.
Na Tanzânia, por exemplo, dediquei um mês ao Hospital de Meru onde fiz o turno mais agitado que alguma vez pensei possível. Numa noite apenas houve esfaqueamentos, onde tive de suturar tendões e músculos, e acidentes de mota, com diversas fraturas expostas e casos de paragens cardíacas. Contudo, irei recordar esta noite sempre pela sensação de realização quando tudo terminou.
No entanto, nem todas as minhas experiências têm um caráter negativo. Por exemplo na Tanzânia, onde arranjei um patrocínio da Colgate para oferecer centenas de escovas e pastas de dentes em orfanatos, juntamente com uma aula de higiene oral, ou no Hospital, onde pela primeira vez fiz de forma autónoma partos espontâneos, escolhendo até o nome dos bebés, mantendo-me ainda em contacto com alguns pacientes e os médicos que acompanhei.
Existem competências ou qualidades específicas que aprimoraste enquanto voluntária?
Sem dúvida. Enquanto voluntários na área médica, somos capacitados a enfrentar desafios complexos, a tomar decisões éticas, e desenvolver habilidades que nos permitem auxiliar não apenas ao tratar doenças, mas o paciente acometido pela doença.
Há diversas situações em que a solução é mínima ou até nula devido à falta de recursos, tal como na Tanzânia e na Índia, tive de improvisar, aprender novas competências, adaptar-me às condições que me eram apresentadas e arranjar uma solução rápida de acordo com linhas de tratamento ou até prevenção de doença.
Além disso, trabalhar com médicos de diferentes origens consegue ser um desafio tendo em conta a barreira de conhecimento que cada profissional obtém no seu país. Portanto, competências como o trabalho em equipa e cooperação, sejam estes um hospital comunitário, num descampado, ou campos de refugiados na fronteira do Paquistão, cresceram de forma notória.
E não posso deixar de mencionar empatia e humildade desta lista. Dar aulas em orfanatos e escolas foi das experiências mais gratificantes que já tive. Acompanhar as crianças a evoluir em confiança, caráter, e comportamento com o nosso apoio foi uma prova de que fazemos a diferença e o nosso esforço é valorizado. Ensinou-me a ouvir atentamente, a aprender com cada interação e a reconhecer que o conhecimento e a compreensão não têm fronteiras. Permitiu-me conectar-me com as histórias e desafios das pessoas que ajudei, lembrando-me constantemente do impacto que podemos ter quando vemos o mundo através dos olhos dos outros.
Essas qualidades, em conjunto, foram o alicerce das minhas experiências de voluntariado, tornando-as não apenas significativas, mas transformadoras.
De que forma vês as tuas experiências de voluntariado a moldar os teus objetivos e aspirações do teu futuro na área médica?
Acredito que, ao testemunhar a carência de assistência médica à volta do mundo, o meu desejo de fazer a diferença onde a necessidade é mais premente solidificou-se. O serviço humanitário através da medicina tornou-se não apenas uma escolha de carreira, mas uma missão.
Sinto-me compelida a trabalhar em contextos diversos e desafiadores, onde possa aplicar o meu conhecimento com sensibilidade cultural. Além disso, um envolvimento constante nestas comunidades aprofunda a compreensão das disparidades de saúde e a importância do envolvimento comunitário na sua resolução.
Com o tempo e quanto mais envolvida me encontro, a minha determinação para ter um papel ativo nestas comunidades no meu futuro enquanto médica aumenta significativamente. Imagino-me a continuar um legado de sentido de responsabilidade, que me guia enquanto profissional de saúde e como pessoa.
Algo que me motiva é saber a diferença que consigo ter agora, e o reconhecimento do que conseguirei fazer no futuro, com mais experiência, após terminar o curso, permitindo-me fazer parte de equipas multidisciplinares em diversas operações internacionais.
Que recursos ou apoio é que a tua universidade te oferece enquanto voluntária?
A praticidade associada ao curso de Medicina na Universidade Católica tornou-se uma contribuição fundamental. Com as disciplinas transversais de Skills Lab e CORE, aprendemos a obtenção de uma história clínica, realização de um exame físico, interpretação de exames laboratoriais, e diversos procedimentos técnicos.
Este ensino personalizado deu-me competências e confiança suficiente para as aplicar ao longo dos meus projetos. Por exemplo, em Tengeru, Tanzânia, após o primeiro ano de Medicina, participei em diversas cirurgias, partos espontâneos, clínicas de HIV e vacinação, tudo competências que, apesar de requerer um estudo intensivo individual, também era baseado no que já tinha aprendido em aula.
Além disso, desde as primeiras semanas do curso fazemos consultas a doentes simulados, onde treinamos tanto o caráter clínico como interpessoal que os serviços de saúde requerem. Estas foram uma adição essencial para obter competência na interação médico-paciente.