Ultimamente, a área da psiquiatria fez progressos significativos na compreensão e tratamento de condições de saúde mental. No entanto, apesar dos avanços no conhecimento médico, o estigma associado aos pacientes psiquiátricos continua a ser uma barreira significativa para o seu bem-estar e integração social. Reconhecendo a urgência desta questão, o Departamento de Ação Social desenvolveu um projeto de seis meses com o objetivo de acompanhar os pacientes na clínica de psiquiatria Saúde do Telhal todas as quartas-feiras.
A implementação do projeto proporcionou experiências valiosas que ampliaram a compreensão dos desafios enfrentados pelos pacientes e abrangeram potenciais soluções. Através da presença regular na clínica, os voluntários testemunharam a resiliência e determinação desses pacientes em relação ao impacto do estigma nas suas vidas, que vai desde o isolamento social até à autoestima diminuída e o acesso limitado a oportunidades.
O estigma em torno dos pacientes de psiquiatria é uma questão pervasiva que perpetua concepções erradas, medo e discriminação. Isso impede a capacidade dos pacientes de procurar ajuda, temendo serem rotulados ou julgados pela sociedade. As consequências são múltiplas, estendendo-se além do sofrimento individual para impactar até as suas famílias.
Acompanhar os pacientes proporcionou uma perspectiva única sobre a complexidade das suas experiências. Aprendeu-se a apreciar a diversidade de condições e a natureza individualizada da jornada de cada pessoa em direção ao bem-estar. A interação com os pacientes permitiu promover conexões significativas, estabelecendo a confiança e empatia como base para a assistência médica.
O voluntariado na Clínica de Psiquiatria provou ser uma experiência incrivelmente gratificante e transformadora tanto para os voluntários quanto para os residentes. As conexões genuínas formadas, os momentos de reflexão e a celebração da criatividade e talentos tornam cada interação uma lembrança preciosa. Somos imensamente gratos pela dedicação e compaixão dos nossos voluntários, que continuam a fazer uma diferença significativa na vida dos residentes.
Leia abaixo as experiências dos voluntários:
Marta Miguel - O Dia dos Beijos: Um Momento de Reflexão e Afeição
Numa das quartas-feiras em que pude estar na CST, calhou ser o dia do beijo. Chegamos ao centro de dia, cumprimentamos todos os utentes, um a um, vimos os seus desenhos, jogos e até as revistas que liam. Todos queriam falar connosco e partilhar um pouco do seu dia, o que nos permitiu ouvir e absorver totalmente esponjas todas as mensagens subliminares que nos ajudaram mesmo sem o seu conhecimento. Sendo o dia do beijo, entre músicas da Barbara Tinoco para acalmar todos, surge a ideia de cada um partilhar “a quem gostarias de dar um beijo hoje se pudesses?”.
Foi muito interessante ver a reação deles, uns de espírito mais alegre automaticamente comentam sobre namoradas e “meninas bonitas”, outros muito pensativos e de lágrimas nos olhos. Algumas perguntas e minutos depois, “mas beijo de amor ou amizade? Telma, posso mesmo escrever o que quiser?”, a auxiliar com paciência respondeu a todos e esperou que escrevessem. Eu e as minhas colegas tornamo-nos invisíveis, pensativas também e com dúvidas em relação ao que daqui sairia.
As respostas não desapontaram pois mesmo após algumas brincadeiras e perguntas pouco sérias, a maior parte dos utentes escreveu não um nome mas sim frases completas com cenários e circunstâncias específicas. A maior parte, se pudesse, dava um beijo a uma namorada ou a alguém de quem gosta. Uns escolhiam beijar a mãe, o pai, os irmãos, descreviam o que sentiam com palavras tão bonitas e sentidas. Quando perguntados se preferiam entre um abraço ou um beijo, as respostas não ficaram atrás. Mostrando um sentido de humanidade e carinho gigante relembravam o que era ser abraçado pelo pai, o que era dar um beijinho à sua mãe.
Tudo situações que me comoveram uma vez que, apesar de já ter considerado no possível vazio entre estes residentes, foi notório pelas histórias que nos contaram sobre não verem a família há anos ou então a felicidade em saber que tinham alguém que os apoiava e “esperavam para breve”.
Carolina Carvalho - Compreendendo os Residentes: Interesses, Sonhos e Talentos
Durante uma atividade em grupo para conhecer melhor os residentes, todos estes apresentaram-se, compartilharam há quanto tempo estavam na instituição, em qual prédio residiam e qual sua comida favorita. O grupo era diversificado, abrangendo diferentes idades, interesses, habilidades cognitivas e sociais. Conforme conversávamos com os cuidadores, aprendemos que o centro não se concentra nas patologias específicas dos residentes, enfatizando a importância de ver cada indivíduo como pessoa.
Um residente abriu-se sobre a sua paixão por colecionar moedas estrangeiras, especialmente libras esterlinas britânicas. Outros expressaram interesse em jogar jogos de tabuleiro e um jogo chamado "charadas de palavras", onde criam palavras usando as letras de uma palavra maior. Este também compartilhou as suas experiências de infância e dificuldades na escola, onde enfrentou problemas com matemática e frequentemente era insultado e diminuído pelos professores. Falou com paixão sobre seu sonho de se tornar um ator. Este encontro mostrou-se mais do que simples interações; foi uma revelação do potencial ilimitado do espírito humano. Cada história, aspiração e paixão entrelaçaram-se num tapete de inspiração, ilustrando a força que surge em cultivar sonhos. As conexões genuínas que formamos com esses indivíduos encheram-nos de esperança e nos lembraram do poder transformador da compaixão.